Laboro Blog

10 de mar. de 2008

O que rege a prova e a distribuição do ônus da prova no processo do trabalho.

 

Nesta coluna, fazemos breves considerações a respeito dos princípios que regem a prova no processo do trabalho e, bem assim, sobre a distribuição do ônus da prova.

1. Princípios que regem a prova no processo do trabalho

a) Princípio da unidade da prova: a prova deve ser apreciada em seu conjunto (documentos, testemunhas, perícia etc) e não isoladamente.

b) Princípio da imediatidade (ou imediação): esse princípio está consagrado nos artigos 848 da Consolidação das Leis do Trabalho, que faculta ao juiz, de ofício, interrogar as partes, e 852-D, que confere ao juiz ampla liberdade para determinar as provas a serem produzidas, de acordo com o ônus probatório de cada parte.

c) Princípio da lealdade ou probidade da prova: as partes devem agir com lealdade e eticidade, pois num plano ideal se pode afirmar que os sujeitos do processo estão interessados em que a verdade dos fatos apareça. Por isso, o legislador processual cuidou de instituir uma punição ao litigante de má-fé, que se caracteriza, dentre outras coisas, por alterar, intencionalmente, a verdade dos fatos e por fazer uso do processo com o intuito de conseguir objetivo ilegal (Código de Processo Civil, artigo 17, II e IV, respectivamente).

d) Princípio da necessidade da prova: as alegações das partes não são suficientes para o convencimento do juiz, sendo necessário que provem os fatos alegados para que o órgão judicante os admita como verdadeiros, salvo se se tratarem de fatos notórios, incontroversos ou presumidos pela lei como existentes ou verdadeiros (CPC, artigo 334 e incisos). Isso porque a lei exige que o juiz decida, que forme a sua convicção, com base nas provas produzidas nos autos.

e) Princípio do contraditório e da ampla defesa: as partes têm o direito de se manifestarem reciprocamente sobre as provas apresentadas e de realizar a contraprova, estabelecendo-se, assim, o contraditório. O contraditório é uma característica comum a todo o processo, estando assegurado no artigo 5º, LV, da Constituição Federal. No princípio do contraditório se fundamenta outro princípio constitucional, o direito de defesa: a parte contra a qual se produziu a prova tem o direito de impugná-la pelos meios previstos em lei.

f) Princípio da igualdade de oportunidades: o juiz deve dar igual oportunidade às partes de, querendo, produzir provas. O tratamento igualitário que o juiz deve dispensar às partes está previsto no artigo 125, I, do CPC.

g) Princípio da legalidade: a produção das provas subordina-se à observância dos requisitos impostos pela lei, como os de tempo, lugar, meio, adequação etc.

h) Princípio da obrigatoriedade da prova: há doutrinadores que sustentam que a parte tem a obrigação de provar em juízo a verdade dos fatos em que se funda a inicial ou a resposta. Entendemos que não há obrigação de produzir prova, mas, sim, um ônus de provar, perante o juiz, a veracidade dos fatos alegados para que sejam admitidos como verdadeiros.

i) Princípio in dúbio pro operário. A questão da aplicação do princípio in dúbio pro operário no processo do trabalho é questão controvertida.

Para Américo Plá Rodrigues o princípio in dúbio pro operário representa "o critério segundo o qual, no caso em que uma norma seja suscetível de entender-se de vários modos, deva-se preferir a interpretação mais favorável ao trabalhador" (Princípios de Direito do Trabalho, 3ª ed. São Paulo. LTr, p. 107).

É induvidosa a aplicação do princípio do in dúbio pro operário tanto na interpretação do direito material, quanto do direito processual do trabalho, porque a legislação trabalhista está fundamentada na proteção do economicamente mais fraco. O discutível é quanto a sua aplicação no âmbito da valoração da prova. Américo Plá Rodrigues, Luiz Pinho de Pedreira da Silva, Mozart Victor Russomano e Francisco Meton Marques de Lima, dentre outros, são partidários da aplicação desse princípio em matéria processual atinente à valoração da prova. Para esses autores, sempre que o juiz estiver hesitante entre duas soluções propostas, em face da avaliação da prova, deve decidir em favor do empregado.

Em sentido oposto, outros doutrinadores sustentam o não cabimento do princípio in dúbio pro operário em matéria processual de valoração da prova.

Entendemos que, no caso de prova dividida, o juiz deve adotar como critério de julgamento a decisão contra o detentor do ônus da prova. Contrariamente, sustenta Júlio César Bebber que, no caso da chamada prova dividida, o juiz deve solucionar a lide pela análise da melhor prova, utilizando-se do princípio da persuasão racional" (Processo do Trabalho. Temas Atuais. 2003. São Paulo. LTr. p. 84)

2. Distribuição do ônus da prova no processo do trabalho

O ônus da prova diz respeito à necessidade de a parte produzir prova dos fatos alegados, que sejam relevantes e controvertidos, para que a causa seja decidida a seu favor, pois não há obrigação legal de produzi-las. De acordo com o artigo 818 da CLT "o ônus de provar as alegações incumbe à parte que as fizer".

Todavia, em razão da simplicidade dessa regra e, não obstante a inexistência de omissão no texto consolidado, acabou prevalecendo a sua aplicação conjugada com o artigo 333 do CPC, segundo o qual: "O ônus da prova incumbe I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor". Essa regra do ônus da prova é adotada em relação à equiparação salarial, conforme se vê da Súmula 06, VII do Tribunal Superior do Trabalho:

"É do empregador o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da equiparação salarial". Da mesma forma, no que respeita ao vale-transporte, a prova do fato constitutivo é do autor-empregado que deve comprovar que satisfaz os requisitos indispensáveis à sua obtenção: OJ 215 da SBDI-1 do TST: "É do empregado o ônus de comprovar que satisfaz os requisitos indispensáveis à obtenção do vale-transporte".

A jurisprudência trabalhista, entretanto, vem mitigando a rigidez das regras insertas nos artigos 818 da CLT e 333 do CPC, passando a admitir a inversão do ônus da prova em determinados casos, como da jornada de trabalho, como se vê da Súmula 338 do TST: I – É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do artigo 74, § 2º da CLT. A não apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário.

Quanto ao término da relação de emprego, o TST sufragou a regra de que cabe ao empregador o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negada a prestação de serviço e a dispensa, em face do princípio da continuidade da relação de emprego constituir presunção a favor do trabalhador (Súmula 12). Embora pareça que o empregador terá que fazer prova de fato negativo, defendem os doutrinadores que toda negação contém, implicitamente, uma afirmação. Assim, no caso da Súmula 12, o empregador, ao alegar que não despediu o empregado, irá afirmar que este abandonou o emprego ou se demitiu.

A condição de hipossuficiente do empregado é que autoriza o juiz do trabalho a adotar a inversão do ônus da prova, cuja regra está consagrada no CDC, artigo 6º, VIII e também no artigo 852-H da CLT. O artigo 6, VIII, do CPC, dispõe que "são direitos básicos do consumidor: (...) VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência".

E o artigo 852-H da CLT dispõe: "O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, considerando o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica". Embora o artigo 852-H da CLT trate especificamente de matéria de prova no procedimento sumaríssimo, não impede o juiz de aplicá-la no procedimento ordinário, levando em conta as dificuldades do trabalhador na produção da prova e o princípio da aptidão para a prova (deve provar aquele que estiver apto a fazê-lo, independentemente de ser autor ou réu).

A distribuição legal do ônus da prova só tem relevância prática quando a questão for decidida com base em provas e nenhuma das partes produziu qualquer outra, hipótese em que o juiz solucionará a controvérsia com base no encargo probatório. Tal situação ocorre, igualmente, quando a prova está dividida.


Fonte: Última Instância, por Aparecida Tokumi Hashimoto ( Advogada sócia do escritório
Granadeiro Guimarães Advogados ), 10.03.2008